Eu passei a escrever um livro
Um livro sobre o "eu"
E nele havia meu nome, altura, cor favorita
E nele haviam minhas memórias, sonhos, sentimentos
Eu escrevi tudo, em completude até onde essa mesma memória se estende.
Despreocupado com quando as páginas acabariam
Eu Ilustrei, expliquei, figurei
Evidenciei cada detalhe
Com a caneta, Eu me construía.
Eu, por último, manchei uma das páginas
E todas as outras seguintes
Páginas onde a caneta não pôde alcançar
Um buraco, vazio, desagradável
Um cadáver, já gelado, repousando em mistério
Não sinto emoção alguma pois não a escrevi
Não enxergo razão para tal pois não a escrevi
Ponderando comigo, incapaz de conceber
Como posso estar lendo, lembrando e revivendo
Incapaz de, como outrora, escrever
Estou ciente que não estou consciente
Ciente que penso, existo
Existo?
Não existo
Me sobra somente aquele desejo
A maldição que me encalça por ser o que sou
Silenciosa, doce, inconsciente
Desde a primeira letra da primeira palavra da primeira página
Narrarei essa maldita história
Imutável, definitiva, permanente
Condenado eternamente a alcançar o mesmo lugar
Esperando a mancha chegar até mim
Mas e se uma dia, aquele papel manchado se secar?